013 | Eu decidi ouvir 28 álbuns de música em fevereiro. Não deu muito certo (mas ao mesmo tempo deu certo sim)
Pequenas ideias sobre descobrir e ouvir música num mundo imediato e intenso
Ainda que você não me conheça pessoalmente, tenha caído aqui de paraquedas ou acompanha esta publicação em alguma medida, deve ter percebido que eu sou muito apaixonado por música. É um negócio que me move, me instiga e me faz querer ir para muitos lugares. Quando eu era criança me diziam que eu era muito curioso, lia muito, perguntava muito e queria entender como as coisas funcionavam. Ainda que a vida adulta podou algo da minha criatividade e capacidade de desbravar o desconhecido, a música ainda é um assunto que ainda continua a puxar pulguinhas atrás da minha orelha e me faz querer entender mais, saber mais, viver mais.
Lá para os meus 11 anos, por aí, me lembro que eu descobri a primeira banda que explodiu meu frágil mundinho: o Rage Against the Machine. Com o coquetel molotov de punk, hip hop e metal deles eu fui edificando o primeiro pilar do que viria a ser o meu gosto musical. A partir deles e com as indicações de meus amigos eu fui desbravando caminhos e entendendo as bandas e artistas que me tocavam, que me impulsionavam e que me genuinamente me interessaram ao longo de meu desenvolvimento como pessoa. Fui descobrir o que era o samba, o jazz, o funk, o forró, a música eletrônica, o rap. Fui entendendo o que eu gostava e o que eu não gostava. Me deparei com muitos artitas e bandas que me fizeram ficar com uma energia de “caralho, é isso!!!!”. Hoje eu tenho 29 anos e 18 primaveras depois meu gosto musical me levou para muitos lugares. Consigo dizer com algumas aspas que me considero uma pessoa eclética o suficente para dizer que eu gosto de muita coisa musicalmente falando.
Nesse meio tempo a minha curiosidade já foi tamanha que beirava a noia. E agora como vocês são meus amigues (sim, na minha cabeça vocês são minhas amizades) eu preciso partilhar ela com vocês.
Vocês já se deram conta de que tem muita coisa que a gente não conhece de música? Me refiro a álbuns, trabalhos, discografias, carreiras inteiras que não chegam tão fácil até nós. Reconheço que a internet quebrou muitos muros e estabeleceu muitas pontes para lugares que antes eram inacessíveis, mas ainda assim é um mundo muito vasto. Fui muito incentivado a consumir música norte americana e eurocêntrica ao longo dessa minha formação; por um outro lado sou muito limitado no meu conhecimento de música latina, africana e asiática. Tem muito do mundo que eu ainda não sei e mesmo que eu corra atrás (estou dando meus passos) para aprender e absorver tudo do mundo que eu gosto, eu provavelmente nunca nem chegarei em 1% de escutar toda a música do mundo. Tanta coisa bonita no mundo e nunca poderei saber de tudo? Isso deixa a minha cabeça em parafuso. Mas não quero soar melodramático demais. Talvez seja essa a graça, deve ter a ver com o lance de viver. Nunca conseguirei fazer tudo o que quero fazer - e tá tudo bem. Sigo vivendo e aproveitando o melhor do que eu consigo, assim como eu continuo ouvindo música da melhor forma que eu consigo. Viver é ouvir música, não é mesmo?
Vez ou outra eu acabo estimulando meu consumo de música que é inédita para meus ouvidos. Tem muita coisa do passado que eu ainda não conheço e que é referência para tantos que eu gosto e escuto quase diariamente. Então no último mês de fevereiro de 2025 eu me provoquei e fiz um desafio musical. Decidi pegar 28 álbuns que hoje são clássicos da música ou importante para as suas respectivas cenas musicais nacionais ou internacionais. A meta foi ousada: ouvir um álbum diferente todo dia. Parece razoável, não? Já adianto que fazer o desafio não foi completo. Mas nem por isso deixou de dar muito certo.
A lista que eu montei foi a seguinte:
Off the Wall - Michael Jackson
Claridade - Clara Nunes
Odelay - Beck
Previsão do Tempo - Marcos Valle
3 Feet and Rising - De La Soul
Zero e Um - Dead Fish
This Is Happening - LCD Soundsystem
Fruto Proibido - Rita Lee & Tutti Frutti
Elliot Smith - Elliot Smith
Fa-tal: Gal a Todo Vapor - Gal Costa
Odessa - Bee Gees
Lilás - Djavan
Madvillainy - MF DOOM e Madlib
Infinito Particular - Marisa Monte
Graham Central Station - Graham Central Station
Usuário - Planet Hemp
I Put a Spell On You - Nina Simone
Transa - Caetano Veloso
The Suburbs - Arcade Fire
Rap é Compromisso - Sabotage
Clandestino - Manu Chao
Música de Brinquedo 2 - Pato Fu
Ptah The El Daoud - Alice Coltrane
A Dança da Solidão - Paulinho da Viola
Stankonia - Outkast
Chaos A.D. - Sepultura
Horses - Patti Smith
Tropicalia ou Panis et Circencis - Vários artistas
Lista extensa, né? Como já adiantei ali em cima, o desafio não deu tão certo como eu planejava e foi para caminhos inesperados. Conto um pouco melhor aqui embaixo:
Ouvir música não é tão fácil quanto parece…
E eu realmente pude entender isso com esse experimento. Normalmente eu e você, que lê este texto, deve ter o hábito de ouvir música quando está fazendo alguma outra coisa. Tomando banho, cozinhando, lavando a louça, dobrando a roupa. E claro que música é para esses momentos. Ao mesmo tempo parar para ouvir música de uma forma cautelosa, atenta e presente é um exercício interessante porém que exige certo treino. Qual foi a última vez que você parou para ouvir mesmo um álbum de música? Botar o CD, fita ou vinil pra tocar ou botar uns fones de ouvido, ficar prestando atenção e a partir disso deixar a mente e emoções levarem adiante…é prazeroso. Não dá para ouvir “Tropicalia ou Panis et Circensis” ou “Odessa”dos Bee Gees por ouvir. São trabalhos que exigem um pouco mais do ouvinte. Exigem tempo e atenção. Mas isso que é o complicado.
…ainda mais num mundo tão doido que a gente vive…
Considere a minha rotina na qual eu tenho um emprego de 40 horas semanais. Moro com minha esposa, temos uma gatinha, nosso primeiro filho nasce em alguns meses. Tenho minhas amizades, minha família para estar presente e cuidar. Temos nossa casa que precisa de cuidados diários, assim como meu casamento e a caixinha de areia da Pandora. Nos meus tempos livres escrevo, leio, vejo bobajada na internet e faço as demais coisas que me movem e me interessam. Em dias cada vez mais cheios, como que eu tiro uma horinha que seja para ouvir atentamente um álbum? Acaba que eu tiro tempo de outras atividades para dar cabo a isso e eu não faço direito nem uma atividade nem a outra. Consegui manter o ritmo até o dia 16 do desafio, onde ouvi “Usuário” do Planet Hemp pela primeira vez. Depois disso não consegui tirar esse tempo para fazer acontecer meu desafio.
…e justamente por isso não dá para impor metas e ritmos a uma escuta atenta.
Eu sei, eu sei - se eu não estivesse introduzido em um mundo capitalista cruel como o que vivemos eu talvez teria mais tempo para me dedicar a atividades que são estimulantes e me são divertidas. Enquanto mudanças sistemáticas não acontecem, o melhor que eu posso fazer é entender o meu limite e como posso fazer melhor uso do meu tempo. Dá para manter minha curiosidade musical e meus demais prazeres sem ficar pirado por colocar uma meta tão regrada e ousada para expandir meus horizontes. Só por chegar nesse entendimento sobre mim mesmo já valeu a pena seguir com esse desafio. E nesse meio tempo minha cabecinha explodiu ouvindo “Infinito Particular” de Marisa Monte e “Zero e Um” do Dead Fish pela primeira vez.
O meu preferido de ouvir nessa trajetória foi “Madvillainy” de MF DOOM e Madlib. Foi uma experiência sonora muito rica, porque foi um certo desafio ouvir um trabalho que sempre me foi dito como muito influente no mundo do hip-hop então eu achava que ele seria algo mais, “cabeçudo”, por falta de palavra melhor. Mas foi na real o oposto - é acessível, é divertido e bem produzido. Tudo parece estar no lugar e tudo é audível de forma muito clara. A partir disso ouvi o “MM..FOOD” que também é um álbum muito interessante. Deixo o “Madvillainy” abaixo como recomendação, caso o que eu escrevi tenha te despertado algum interesse:
Esse texto foi divertido de se escrever e eu espero que isso tenha também te incentivado a descobrir mais música para expandir seus horizontes, desde que respeite seu tempo no processo. Isso é o mais importante de tudo. Quem sabe eu faça um exercício intensivo mais espaçado nos meus dias mais pra frente.
Você já fez algum desafio de escuta musical ou coisa semelhante? Algum dos álbuns da lista que fiz é um de seus favoritos? Tem alguma indicação de algum álbum que é classificado como clássico que valha a pena ser ouvido? Me manda um email no batidacronica@substack.com ou deixe seu comentário abaixo. Ah, e se tiver um tempo, responde uma rápida pesquisa anônima sobre o batida crônica para me ajudar a nortear os próximos caminhos desta newsletter-publicação independente linda?
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Achei que faltou música fora da pesquisa nacional e internacional europeia e/ou anglo-saxônica na sua lista rs. No shade! Eu mesmo tenho me proposto a ouvir 3 lançamentos nacionais e 3 internacionais por mês, e aí deixo fluir minha pesquisa, que quero cada vez mais orientar pra países fora de um circuito mais mainstream de crítica e público. Além disso, nos dois últimos anos tenho parado pra ouvir albuns das exatas últimas seis décadas a cada mês (1965,75,85...) e tem sido uma experiência bem interessante.
"Ouvir música não é tão fácil quanto parece" sim!!!